Decorria o longínquo ano de 2000 e o DVD era a última moda audiovisual. O salto qualitativo em relação a tudo o que existia anteriormente era gigantesco e a tecnologia DVD fez sucesso quase instantâneamente. Mas ver DVDs em Linux era ainda bastante complicado.
Havia na altura dois desafios principais:
- aceder ao conteúdo do DVD ultrapassando um tipo de DRM, chamado CSS, presente em quase todos os DVDs comerciais
- implementar um decoder de mpeg2 que funcionasse bem nas máquinas da época
O DeCSS foi posteriormente substituído pela libdvdcss a qual é agora alojada abertamente no site do projecto VideoLan. A libdvdcss implementa um ataque brut force, ao sistema CSS (que se mostrou ser criptograficamente fraco) e permite ignorar a restrições às zonas oficiais dos DVDs.
É preciso salientar que uma das motivações do desenvolvimento destas tecnologias era permitir a reprodução DVD com software Open Source, nomeadamente em Linux, uma vez que a forma tradicional de o conseguir era adquirindo uma chave criptográfica ao já mencionado consórcio da indústria chamado CCA. Ora esta situação era claramente incompatível com a existência de um player Open Source e bastante injusta para o consumidor que, já pagando o valor de cada DVD, não deseja certamente que lhe seja imposto o sistema operativo e o software com que o vai ler. Após demorada polémica a julgamento terminou sem qualquer condenação considerando-se que a prática não era contrária à lei.
No entanto este processo veio chamar a atenção para o recorrente esforço de algumas associações da indústria em restringir a forma como são usados produtos legalmente adquiridos como forma de prevenir potenciais usos ilegais. Em questão esteve sempre o direito de um indivíduo poder aceder ao conteúdo de um DVD, por ele legitimamente adquirido, mas a indústria montou uma campanha no sentido de insinuar que apenas se defendia contra cópias ilegítimas. Ora para fazer cópias ilegítimas de DVDs nunca houve necessidade de ultrapassar as protecções: basta fazer uma cópia integral do disco original a qual funcionará sem problemas.
O segundo dos desafios, aparentemente mais fácil de superar, demorou algum tempo a ser ultrapassado. A tal ponto que toda a discussão sobre o DeCSS aparentava ser fútil dado não existir à data nenhuma implementação funcional que deste fizesse uso.
É também de salientar que na altura o hardware disponível estava no limite mínimo necessário para esta tarefa. Havia máquinas PII a 400 mhz que ainda se engasgavam com o ATI DVD Player em Windows, tal como havia máquinas PII 300 mhz que funcionavam fluidamente em Linux. Tudo isto dependia da qualidade e performance das boards (CPU e IO) bem como da placa gráfica sendo que na altura a Xv extension, essencial para fazer offload do CPU nas operações de scaling e colorspace conversion, não estava generalizada (existia inicialmente para placas Matrox, seguindo-se as ATI, estando hoje presente em quase todos os drivers do Xorg).
A primeira tentativa de DVD player open source era o OMS que infelizmente nunca funcionou bem. Posteriormente surgiu o projecto Xine, liderado na altura por Guenter Bartsch, que logo nas versões iniciais conseguiu estabilidade e performance aceitáveis na reprodução de DVDs. O projecto Xine utilizava a libmpeg2, algum código do OMS e oficialmente só suportava DVDs não cifrados.
No entanto um tal da Captain CSS lançou na web um plugin que permitia reproduzir DVDs cifrados no Xine. Não tardou que alguns sites começassem a distribuír o player completo, pronto a funcionar:
http://lists.blu.org/pipermail/discuss/2001-January/008408.html
http://web.archive.org/web/20010309015840/http://gape.ist.utl.pt/ment00/linuxdvd.html
http://web.archive.org/web/20010801165028/http://gape.ist.utl.pt/ment00/linuxdvd.html
Em Janeiro de 2001 a repdrodução DVD em Linux era uma realidade. Os DVDs já funcionavam a nível básico estando algumas funcionalidades como as legendas e navegação nos menus em desenvolvimento. Para além do Xine projectos como Videolan, o Mplayer e o Ogle começaram igualmente a apresentar resultados.

Nesse mesmo ano em Abril, A VIII Semana Informática do IST albergou uma exposição intitulada "Linux como solução Desktop", algo claramente muito avançado para a época... e convidou um representante do projecto Xine apresentar o projecto. O developer em questão foi Siggi Langauf que se deslocou de Estugarda para falar no primeiro dia do evento.
Actualmente existem múltiplas soluções para reprodução DVD em Linux entre o Xine, Mplayer, Ogle e os diversos front ends disponíveis em versões Gtk, Gnome, KDE, etc. As libraries necessárias (libdvdcss, libdvdread, libdvdnav) nem sempre são incluídas pelas distribuições mas estão geralmente a poucos clicks de distância através de pacotes pre-feitos para cada distribuição alojados em repositórios não oficiais.
A batalha pelo direito à reprodução DVD em Linux foi vista como mais uma batalha pela liberdade do consumidor e um exemplo de como a força bruta centralizada dificilmente derrota a inteligência distribuída. Foi uma batalha ganha, em tempos mais difíceis do que os de hoje, mas que importa recordar pois deverá dar o exemplo para as próximas. A garra e persistência de quem trabalhou dias e noites para juntar todas as peças deste puzzle é uma incomparável fonte de inspiração.
Sem comentários:
Enviar um comentário