O futuro, segundo ambas as instituições, passa pelas Normas Abertas, pela interoperabilidade multiplataforma e, em pelo menos alguma medida pelo software Open Source. Mas a corrida para o futuro não é a dos 100m, não é a dos 200m, nem sequer a dos 400m barreiras. Tem barreiras, de facto, e será uma prova de resistência. Essa resistência é a que qualquer instituição enfrenta ao implementar medidas que vão perturbar os primeiros 100m e permitir acelerar em força nos kms seguintes.
O que está em jogo no imediato é a obrigatoriedade do software adquirido pelo Estado estar conforme um conjunto de Normas Abertas. O que está em jogo, não finjamos o contrário, é diminuir a capacidade de lock in de todos os fornecedores, obrigando diferentes produtos a competir e os preços a ajustarem-se. Estão em risco negócios confortáveis para uma parte e ruinosos para o contribuinte. A Open Forum Europe (OFE) concluiu num estudo que 13% do concursos públicos de âmbito europeu faziam (ilegalmente) menção a marcas. A ESOP efectuou diligências em tribunal no sentido de anular o concurso de 10M EUR lançado pela DGITA com essa e outras irregularidades. Na base destes problemas está precisamente o lock in que resulta numa grande incapacidade de consultar efectivamente o mercado.
Num discurso bastante apreciado pela audiência, a vice presidente Neelie Kroes teve a frontalidade de admitir todas as lutas diplomáticas que circundaram um único parágrafo da EIF (European Interoperability Framework). Idênticas lutas de bastidores rondaram uma das alíneas da Lei 36/2011, também conhecida por Lei das Normas Abertas. Ambas as lutas, ainda que não se fale disto abertamente, se relacionam com a possibilidade de um implementador maior – e com poderoso armamento legal – aniquilar um mais pequeno, mesmo que mais talentoso, recorrendo a alegadas patentes de software (as patentes de software são as armas de destruição maciça da inovação independente). Mas, mais nuance, menos nuance, tudo isto parece ter acabado bem em ambos os textos.
A AMA, lançou para consulta pública um conjunto de Normas Abertas que pretende que sejam obrigatórias tendo sugerido como Norma Aberta para documentos editáveis o ODF (para documentos finalizados é o PDF). A decisão está certa, porque a multiplicidade de standards tornaria a Lei 36/2011 inconsequente e a interoperabilidade insuficiente. O outro candidato – o OOXML - está a milhas do ODF em termos de interoperabilidade real. Mas conhecendo Portugal, será fácil de imaginar que as pressões de terceiros se tornarão gigantescas em poucos dias.
Foi num Portugal pré-ESOP, que uma comissão “técnica” ad-hoc formada por empresas parceiras da Microsoft e presidida pela própria Microsoft, no seio de um instituto público, se preparava para submeter o voto Português sobre o OOXML à ISO sem qualquer tipo discussão. Foi nessa mesma comissão que, posteriormente, empresas de posições contrárias – a que eu integro incluída – esgrimiram inutilmente argumentos ficando o voto final decidido meramente em função do “número de espingardas”. As actas dessas reuniões, os emails trocados, os pareceres jurídicos, a lista de “apoiantes” angariados para o OOXML – incluindo nomes, nrs de telefone e cargos em instituições públicas de renome – nunca vieram a público mas são elucidativas do tipo de pressão ilegítima e sem sustentação técnica que foi possível criar. O que sempre esteve em causa foi uma norma feita à pressa que veio criar multiplicidade nos formatos documentais e por quem a principal parte interessada acabou por perder o interesse face às alterações a que a ISO obrigou. Chegou a ser estudada a correlação entre o PIB per capita dos países envolvidos nesse processo e o seu sentido de voto. E Portugal, bem como o Instituto de Informática do Ministério das Finanças, não saiu daqui bem visto.
Segue destas circunstâncias que se as louváveis intenções da AMA – evidentes das declarações públicas do seu representante – são para pôr em prática, serão precisos punhos de ferro e nervos de aço. A pressão dos interesses instalados irá certamente ser forte e Portugal, na situação em que está, não pode voltar a ficar mal visto. A única forma de lidar com o problema é a transparência: o site da consulta é público, como deverão ser todos os registos de contactos efectuados sobre esta matéria.
Uma coisa é certa: nunca até hoje se tinha visto um entendimento técnico tão profundo da parte dos decisores políticos nacionais e europeus. Isto ficou claro no Open Forum Summit e também no Encontro Nacional de Tecnologia Aberta. As declarações da AMA e da CTSSAP, ambas presentes no evento nacional, não deixam margem para dúvidas: independentemente da opinião concreta de cada uma das partes a discussão subiu de nível e agora quem decide sabe do que fala.
É neste contexto que todos devemos ficar atentos. Com decisores tão informados qualquer má decisão será suspeita.
Nota:
A ESOP participou activa e publicamente no processo discussão das Normas Abertas em Portugal tendo feito chegar a sua opinião à CTSSAP e à AMA. A posição da ESOP sobre esta matéria é conhecida e anunciada abertamente sem qualquer ambiguidade. A ESOP afirmou publicamente estar convencida de que a sua posição coincide com a do interesse geral.
Sem comentários:
Enviar um comentário