segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Acapor, wareztuga e conteúdos digitais. A emissão segue dentro de momentos.



Este assunto é recorrente, mas passam-se os anos e as coisas tardam a mudar. Aqui fica uma nova reflexão sobre um problema que se recusa a morrer.

 Os clientes de conteúdos digitais

Designe-se por N a dimensão do universo de potenciais interessados em ver filmes, séries ou outros conteúdos via Internet.

Desses N consideremos a seguinte distribuição
  • X x N pessoas indisponíveis para pagar seja o que for
  • Y x N pessoas disponíveis para pagar valores que considerem razoáveis se o serviço corresponder às expectativas... ou a piratear, caso contrário
  • Z x N pessoas que pagarão o preço que for necessário por serem intransigentemente contra a pirataria ou tecnicamente incapazes de se esquivar de popups. 
  • W x N pessoas que ainda não decidiram em qual dos grupos acima se integram pois consomem conteúdos de outras formas (cinema, DVDs, VHS, etc)
X,Y ,Z e W são fracções do universo N, ou seja, X+Y+Z+W = 1.

 O peso de cada classe

O que podemos afirmar sobre cada uma das fracções?

O valor Z é practicamente nulo. Este facto pode verificar-se empiricamente pela destreza com que gente tecnicamente inapta consegue utilizar websites diversos para satisfazer a sua vontade de ver conteúdos online. Simultaneamente, pessoas insensíveis ao factor preço são muito difíceis de encontrar tanto pelo mindset que nos é próprio como pela conjuntura económica de que não sairemos em breve.

O valor X tem provavelmente um limite mínimo, abaixo do qual será impossível descer. Haverá sempre uma franja de sociedade constituída por gente espertalhona e com tempo livre que conseguirá encontrar forma de não pagar por determinados bens ou serviços. Isto, por muito que a forma de não pagar seja demorada e trabalhosa e mesmo que a sua situação financeira não justifique.

Sobram portanto dois grupos que designaremos pela letra que representa a sua dimensão, respectivamente Y e W. Quem quisesse fazer negócio com conteúdos digitais deveria aspirar a esvaziar W e encher Y o mais rapidamente possível, antes que X ganhasse massa crítica.

De facto, o que tem acontecido é que o grupo W vai tendendo para zero com o progresso da tecnologia, tendo esse processo começado com a vulgarização da Internet de banda larga. Quem sai desse grupo ingressa naturalmente no grupo Y, que é o grupo dos potenciais clientes de serviços com conteúdos legais.

 A situação que não melhora

Mas a inadequação da oferta existente reencaminha a quase totalidade dessas pessoas para o grupo X. Ou seja, a maioria dos potenciais clientes deixa rapidamente de o ser.

E o pior: a permanência no grupo X gera uma cultura que se vai consolidando ao longo dos anos.

O hábito de não pagar para aceder a determinados conteúdos resulta em que se veja o não pagamento como algo normal e que tal fique profundamente inscrito na forma de pensar dos indivíduos. De indivíduos honestos e pagadores de impostos, mas que acabam por não ver nisso grande mal. São os mesmos indivíduos que consolidam monopólios tecnológicos, porque a eles estão habituados.

Um comportamento recorrente é um hábito. Um hábito comum é um zeitgeist. Um zeitgeist é quase uma lei.

Ora, como se sabe a banda larga em Portugal começou a expandir-se rapidamente por volta do ano 2000. Sendo assim, já vamos com 12 anos de consolidação desta cultura. E actualmente já há quem ingresse directamente no grupo X sem sequer saber o que é o W, como é o caso dos cidadãos adolescentes que já se começam a esquecer do que é um DVD. E provavelmente mais do que o valor de X importa o dX / dt ....

O comando é meu

É verdade que nos últimos anos começaram a aparecer ofertas de serviços de video on demand agregados a ofertas de Internet. Mas, tanto quanto sabemos, todos esses serviços obrigam a um custo fixo mensal, fidelização e a uma box do fornecedor. Ou seja, não funcionam nos PCs que hoje em dia são utilizados para consumo de conteúdos e obrigam a um compromisso que não agrada a toda a gente. Nem mesmo com lavagens ao cérebro dadas pelos mais importantes ex-comediantes nacionais.

Também é verdade que tem havido iniciativas de neutralização dos sites que agregam conteúdos ilegais. Mas até agora os resultados são inconclusivos pois porque cada site que fecha há outro que abre e os conteúdos continuam disponíveis.

É caso para se dizer que nem o pau magoa nem a cenoura interessa... pelo menos a todos.


As conclusões 

A primeira conclusão é de ordem sociológica:

As mudanças culturais na direcção do maior conforto imediato  são espontâneas e muito rápidas, mas a sua reversão é sempre muito lenta e trabalhosa, senão impossível. E quanto mais tempo passar maior a dificuldade.

A conjectura acima enunciada aplica-se com grande generalidade. Desde o acesso a conteúdos digitais sem necessidade de pagamento, ao acesso a tecnologia sem necessidade de aprendizagem, ao acesso a bens sem necessidade de poupança, ... Se a adopção de comportamentos no sentido dos exemplos acima se faz com naturalidade uma vez disponíveis tais hipóteses, a respectiva reversão de comportamentos necessitaria de um mix muito forte de doutrinação, incentivo e tempo. A disciplina requer educação e a educação requer esforço do educador e do educando. É uma espécie Lei da Entropia social.

Para o caso particular a que este post se refere a reversão da actual tendência só seria possível se existissem serviços online simples, completos, compatíveis e a preços razoáveis. Será que existem? Alguma pesquisa já feita e os 50 000 likes no facebook do Wareztuga.tv levam-me a pensar que não.

A segunda conclusão é igualmente de ordem sociológica:

As inibições culturais dos fornecedores de serviços tradicionalmente dominantes prevalecem sobre a disponibilidade tecnológica potencialmente geradora de novos serviços.
Significa isto o seguinte: quando a banda larga se começou a generalizar a indústria não estava preparada para oferecer serviços de streaming como está hoje. E quanto a isto não podemos culpar ninguém. As revoluções tecnológicas são muitas vezes rápidas e não totalmente organizadas. Seria deselegante e injusto atirar culpas para os momentos imediatamente posteriores ao advento da banda larga.

Mas passados estes anos seria igualmente injusto aceitar desculpas ou moralismos com teias de aranha. A tecnologia existe e funciona. Tanto existe que é usada pelos serviços alegadamente não legais. O que não funciona é a burocracia das negociações de direitos de autor.

Só isto explica que serviços como o da Amazon ou mesmo o idiótico Netflix (que só funciona em Silverlight) não estejam disponíveis em Portugal. Ou que um serviço potencialmente fantástico como o MUBI tenha uma oferta mainstream tão escassa devido a problemas de negociação de copyright.

O papel das associações

O papel das associações deve ser examinado com algum cuidado. 

Falou-se acima da reacção das sociedades a situações de maior conforto imediato. Ora, o somatório dos confortos imediatos não conduz necessariamente a um maior conforto de longo prazo.

Se a produção de conteúdos culturais for posta em causa, a sociedade como um todo poderá ficar a perder. Se o dinheiro não gasto em cultura for canalizado para outros mercados o saldo económico pode não ser positivo. Não há dúvidas que o problema existe e que há empregos em jogo.

Mas a solução para este problema não é a criminalização de quem disponibilizou uma oferta que funciona. E também não é a taxação indiscriminada dos media de suporte físico.

A ACAPOR e/ou outras associações ligadas ao audiovisual poderiam focar energias na criação de uma plataforma de video on demand para toda a Europa negociando agressivamente os direitos de emissão. Seria uma forma de Portugal exportar mão de obra. O futuro não passa pela nostalgia dos videoclubes de bairro. Passa por uma oferta que agrade a quem ainda está disponível para gastar dinheiro em conteúdos.

Ironicamente, a tecnologia de tantos websites que funcionam alegadamente na ilegalidade poderia ser posta a servir o público em geral. Sem publicidade, sem popups e a preço justo.

E cada minuto perdido sem nada ser feito é um minuto em que, por falta de alternativa, a partilha de conteúdos protegidos por direito de autor se banaliza. E nestas circunstâncias, alguém pode criticar?

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